A
posição do corpo quando oramos não é relevante. Ora-se em pé, como o rei Josafá
(2 Cr 20.5); ora-se assentado, como Elias (1 Rs 19.4); ora-se deitado, como o
rei Ezequias (2 Rs 20.2); ora-se de joelhos, como Paulo (At 21.5); ora-se
prostrado, com o rosto no chão, como o “homem coberto de lepra” (Lc 5.12);
ora-se até mesmo dentro de um grande peixe, como Jonas (Jn 2.1).
Em certas ocasiões preferimos orar de joelhos. Essa é a posição mais mencionada
no livro de Atos. Pouco antes de morrer, Estêvão “caiu de joelhos e orou” (At
7.60). A sós onde estava o corpo de Tabita, num quarto do andar superior de uma
casa em Jope, hoje bairro de Tel Aviv, Pedro “ajoelhou-se e orou” (At 9.40).
Numa praia do Mediterrâneo, defronte a Tiro, no atual Líbano, Paulo reuniu “todos
os discípulos, com suas mulheres e filhos”, e com eles se ajoelhou e orou (At
21.5).
Ajoelhar-se significa cair prostrado, abaixar-se, dobrar os joelhos perante o
Senhor. É a posição de quem confessa pecado (Ed 9.5), de quem quer expressar
profunda gratidão (Lc 17.16), de quem sente necessidade de mostrar reverência
(Mc 10.17), de quem está em angústia (Lc 22.41), de quem precisa muito da
interferência de Deus (Mt 17.14).
Todas essas lembranças históricas nos levam à apoteose que está para vir:
[Deus exaltou Jesus] à mais alta posição
e lhe deu o nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se
dobre todo joelho nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse
que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai (Fp 2.9-11).
Uma
apoteose anunciada nas Escrituras
A estrondosa vitória da graça sobre a lei, da esperança sobre o desespero, do
permanente sobre o provisório, da eternidade sobre o tempo, do pano novo sobre
o remendo, do perdão sobre a culpa, da ressurreição sobre a morte, da luz sobre
as trevas, da santidade sobre a perversão, da justiça sobre a injustiça, do bem
sobre o mal, da profecia cumprida sobre a utopia, do Apocalipse sobre o
Gênesis, dos novos céus e nova terra sobre “os céus e a terra que agora existem”
(2 Pe 3.7) — está presente implícita e explicitamente em todas as Escrituras,
especialmente nos Salmos:
Todos os confins da terra se lembrarão e
se voltarão para o Senhor, e todas as famílias das nações se prostrarão diante
dele (Sl 22.27); veja também o versículo 29; Sl 64.9; 86.9; 102.15).
Por mim mesmo eu jurei, a minha boca
pronunciou com toda a integridade uma palavra que não será revogada: Diante de
mim todo joelho se dobrará; junto a mim toda língua jurará. Dirão a meu
respeito: “Somente no Senhor estão a justiça e a força” (Is 45.23,24, NVI).
Cada lua nova e cada sábado, todo mundo virá prostrar-se na minha presença, diz
Javé (Is 66.23, EP).
[Deus] nos fez conhecer o mistério da sua vontade, a livre decisão que havia
tomado outrora de levar a história à sua plenitude, reunindo o universo
inteiro, tanto as coisas celestes como as terrestres, sob uma só Cabeça, Cristo
(Ef 1.9,10, EP).
Todas as nações virão à tua presença e te adorarão, pois os teus atos de
justiça se tornaram manifestos (Ap 15.4).
Uma
apoteose sem igual
De todos os textos nos quais se apóia a esperança da apoteose que está para
vir, o mais explícito, o mais conhecido e o mais amplo, sem dúvida, é a
passagem da Epístola de Paulo aos Filipenses, que deve ser examinada cuidadosamente.
A idéia central desse texto encontra-se na profecia de Isaías: “Todos os
homens, no mundo inteiro, vão se ajoelhar diante de mim e todos vão jurar que
serão fiéis” (Is 45.23, BV). Paulo faz uso dessa profecia duas vezes, primeiro
na Epístola aos Romanos, lá pelo ano 56 d.C., e depois na Epístola aos
Filipenses, por volta de 61 d.C. No primeiro escrito, o apóstolo está tratando
de um assunto prático, a questão do bom relacionamento entre os crentes. Lembra
que “Cristo morreu e voltou a viver para ser Senhor de vivos e de mortos” e,
portanto, ninguém deve julgar nem desprezar o irmão, porque está escrito:
“Diante de mim todo joelho se dobrará e toda língua confessará que sou Deus”
(Rm 14.11).
Já na Epístola aos Filipenses, o apóstolo descreve o exemplo da profunda
humildade de Jesus, que se esvaziou a si mesmo para tornar-se igual a nós e,
“sendo encontrado em forma humana, humilhou-se a si mesmo e foi obediente até a
morte e morte de cruz” (Fp 2.5-8). Mas o relato de Paulo não pára na morte nem
na sexta-feira: caminha até a ressurreição e o domingo. Também não pára na
ressurreição nem no domingo: caminha até a parúsia e anuncia a apoteose que
está para vir (Fp 2.9-11). Aquele que havia se rebaixado até a morte de cruz
foi exaltado “à mais alta posição” (“acima de tudo”, na versão da CNBB) e
recebeu “o nome que está acima de todo nome”, para que “ao nome de Jesus se
dobre todo joelho, nos céus [primeiro nível], na terra [segundo nível] e
debaixo da terra [terceiro nível], e toda língua confesse que Jesus Cristo é o
Senhor, para a glória de Deus Pai” (Fp 2.10,11).
A apoteose que está para vir é absolutamente certa. Só nos compete saber que
ela vai acontecer. Já o dia, o mês, o ano, o século e o milênio, não nos
compete conhecer, de acordo com o próprio Jesus, em seus discursos (Mt 24.36) e
em sua ascensão (At 1.7).
Uma
apoteose globalizada
Se alguém se der ao trabalho de ler e reler todos os textos sobre a apoteose
que está para vir não encontrará coisa alguma que não esteja de joelhos diante
do Senhor no devido tempo.
Lá estarão seres humanos de ambos os
sexos (“moços e moças”) e de toda as idades (“velhos e crianças”), como diz o
salmista (Sl 148.12).
Lá estarão “todos os ricos da terra” e “todos os que descem ao pó, cuja vida se
esvai”. Uns e outros “haverão de ajoelhar-se diante dele” (Sl 22.29).
Lá estarão “todos os governantes e juízes da terra” (Sl 148.11), “todos os reis
da terra” (Sl 138.4) e todos os deuses inventados pela mente humana (Sl 97.7).
Lá estarão “todas as famílias da terra” (Gn 12.3, BJ), “todas as nações da
terra” (Gn 18.18, Sl 86.9) “todos os povos” (Sl 47.1, Is 56.7), “todos os
confins da terra” (Sl 22.27) e “todas as línguas” (Is 45.23; Fp 2.11).
Lá estarão todos os seres criados não-humanos: os anjos (Sl 103.20), os espíritos
imundos (Mc 3.11) e os “exércitos celestiais” (Sl 148.2; Lc 2.13).
Lá estará toda a criação ou “todas as suas obras em todos os lugares do seu
domínio” (Sl 103.22) — o mundo, os mais altos céus, as estrelas, o sol e a lua,
a terra, os montes e as colinas, o mar e tudo o que nele existe, os campos, os
rios, as árvores da floresta, as árvores frutíferas, os cedros, as serpentes
marinhas, os animais selvagens, os rebanhos domésticos, as aves, todos os
demais seres vivos, todas as profundezas e também os relâmpagos, o granizo, a
neve, a neblina e os vendavais (Sl 89.12; 96.11-13; 98.8,9; 103.22; 145.10;
148.3-10; Is 44.23; 49.13; 55.12).
Uma
apoteose que não significa salvação universal
É verdade que o mundo inteiro vai dobrar os joelhos diante de Jesus e toda
língua vai confessar que Jesus Cristo é o Senhor. Porém esse gesto e essa
palavra jamais querem indicar que todos serão salvos. As mesmas Escrituras que
anunciam a apoteose que está para vir anunciam também o advento do chamado “dia do juízo”, ao qual
Jesus se refere várias vezes (Mt 10.15; 11.22, 24; 12.36), antes mesmo de
proferir o sermão profético (ou escatológico), que aparece no final do
Evangelho segundo Mateus (25.31-46). Aos filósofos epicureus e estóicos de
Atenas, Paulo teve a coragem de declarar que Deus “estabeleceu um dia em que há
de julgar o mundo com justiça [uma referência ao dia do juízo], por meio do
homem que designou [uma referência a Jesus Cristo]”. O apóstolo ainda
acrescentou: “[Deus] deu provas disso a todos, ressuscitando-o dentre os
mortos” (At 17.31).
Depois de recordar uma série de juízos menores (em relação ao juízo final),
como o dos anjos que pecaram, o do mundo antigo na época do dilúvio e o de
Sodoma e Gomorra, o apóstolo Pedro afirma que Deus sabe separar os piedosos dos
demais e “manter em castigo os ímpios para o dia do juízo” (2 Pe 2.9). Judas, o
irmão de Tiago, repete o discurso de Pedro e ensina que os anjos caídos estão
“presos com correntes eternas para o juízo do grande dia”, bem como as cidades
de Sodoma e Gomorra e outras ao redor, que “se entregaram à imoralidade e às
relações sexuais antinaturais” (Jd 6,7).
O “juízo do grande dia” não absolverá todo mundo. Ao contrário, esse
soleníssimo dia vai fazer justiça, separará o trigo do joio (Mt 13.40-43), os
peixes bons dos peixes ruins (Mt 13.49,50), as virgens prudentes das virgens
insensatas (Mt 25.1-13), o servo bom e fiel do servo mau e negligente (Mt
25.28-30), as ovelhas dos bodes (Mt 25.31-46), os justos dos ímpios (2 Pe 2.9),
os crentes dos incrédulos (Rm 1.16), os eleitos dos não-eleitos, os salvos dos
perdidos.
Então, é razoável que se questione por que as Escrituras declaram que todo
joelho vai se dobrar diante do Senhor, nos céus, na terra e debaixo da terra, e
toda língua vai confessar que Jesus Cristo é o Senhor.
A resposta é muito simples — o mundo inteiro fará isso porque não há outro
caminho. Por causa da autoridade inegável e irresistível de Jesus Cristo,
porque todos os esforços conjuntos para fazer em pedaços as correntes que os
prendem a Deus foram ridículos e inúteis o tempo todo, conforme conta o famoso
Salmo Segundo. As nações vão beijar o Filho não por amor, mas por causa de sua
ira, de seu governo, de sua majestade, de seu poder, de sua autoridade (Sl
2.12).
Os turistas americanos podem considerar ridícula, pretensiosa e revoltante a
obrigação imposta pelo governo brasileiro de exigir deles que se deixem
fotografar e registrar suas impressões digitais ao desembarcar no Brasil. Mas
são obrigados a se submeter a esse processo por estarem sob nossas leis. O
mesmo acontece com os turistas brasileiros nos aeroportos dos Estados Unidos.
Não adianta se revoltar contra as normas e tentar desrespeitá-las, como fez o
piloto Dale Robbin Hersh no início de janeiro. O aeroviário passou pelo vexame
de ser confinado por 36 horas no aeroporto internacional de Guarulhos, e a
American Airlines se viu constrangida a pedir desculpas à Polícia Federal.
O ser humano prefere se esconder a vida inteira da ira de Deus. Assim fizeram
Adão e Eva (Gn 3.8). Assim se comportou Caim, depois do assassinato do seu
irmão Abel (Gn 3.14). O caminho da fuga acabará junto com a história, quando
chegar a apoteose que está para vir. O que resta, então, é dobrar o joelho (não
necessariamente o coração) diante da autoridade vencedora e proclamar seu
absoluto senhorio!
Embora Deus venha mostrando soberanamente sua glória (Êx 7.5; 14.8) e a glória
de seu Filho (Lc 9.28-36) de vez em quando, é por ocasião da parúsia — segunda
vinda de Jesus “em poder e muita glória” — que a glória total do Senhor será
vista e reconhecida por todos. Aí se dará o cumprimento literal e definitivo da
profecia de Ezequiel, lá pelos anos 573 a.C.: “Não mais deixarei que o meu nome
seja profanado, e as nações saberão que eu, o Senhor, sou o Santo de Israel” (Ez
39.7).
Extraído de Revista
Ultimato - Edição 287