Depois de passar algum tempo na Escócia e na Inglaterra, Kalley trabalhou como médico missionário durante dois anos na Ilha de Malta e outros dois na Palestina (1850-1852). Em Safed, organizou uma pequena igreja na qual metade dos participantes era constituída de judeus convertidos e a outra metade de ex-muçulmanos e nestorianos. Sua primeira esposa, Margaret, veio a falecer no início de 1852. No final daquele ano, ele contraiu segundas núpcias com Sarah Poulton Wilson (1825-1907), a quem conhecera na Palestina. Sarah nasceu em Nottingham, Inglaterra, sendo sobrinha pelo lado materno de Samuel Morley, rico industrial e filantropo, membro destacado do Parlamento Britânico e líder da igreja congregacional. A família também tinha ligações com os Irmãos de Plymouth através de outro tio de Sarah, John Morley.
Sarah recebeu uma educação esmerada e cultivou muitos dotes artísticos, revelados mais tarde na poesia, na pintura e na música. Foi grande defensora do nascente movimento das Escolas Dominicais. Seu trabalho evangélico teve início em Torquay, onde dirigiu uma classe bíblica que se tornou instrumento para a conversão de muitos jovens. Ela visitou a Palestina em março de 1852 em companhia de um irmão mais novo, que veio a falecer de tuberculose em Beirute. Nessa viagem Sarah conheceu o Dr. Kalley, com o qual veio a casar-se em 14 de dezembro do mesmo ano. Esse casamento contribuiu para que Kalley eventualmente se afastasse de suas raízes presbiterianas e se voltasse para o congregacionalismo. Devido às suas extraordinárias qualificações, Sarah deu contribuições à obra do esposo que exigem uma análise mais detalhada do que é possível neste estudo.
No inverno seguinte (1853-1854), Kalley, acompanhado da esposa, foi visitar os amigos madeirenses em Illinois. Passando por Nova York, esteve na Sociedade Bíblica Americana, onde conversou a respeito dos refugiados portugueses. Poucos dias depois, o dirigente da Sociedade Bíblica recebeu uma carta do Rev. James Cooley Fletcher (1823-1901), pastor presbiteriano que trabalhava no Rio de Janeiro para a Sociedade de Amigos dos Marinheiros Americanos, pedindo-lhe o envio de alguns refugiados madeirenses para trabalharem no Brasil como colportores da Sociedade Bíblica. Kalley foi informado sobre isso e decidiu ele mesmo vir para o Brasil no ano seguinte.
O casal Kalley partiu de Southampton em 9 de abril de 1855, chegando ao Rio de Janeiro no dia 10 de maio. Por dois meses e meio se hospedaram em hotéis, mas não encontraram um local adequado onde pudessem residir e iniciar o trabalho evangélico. No final de junho visitaram Petrópolis e ficaram bem impressionados com a cidade. Viram que havia melhor possibilidade de iniciar o trabalho missionário ali do que no Rio de Janeiro, graças ao auxílio que poderiam receber dos colonos alemães. Souberam que uma bela propriedade (Gernheim = lar muito amado) situada em uma encosta do Bairro Suíço ficaria disponível em outubro. Mudaram-se para Petrópolis em fins de julho, hospedando-se em um hotel. Tendo feito amizade com a família do embaixador americano, Sr. Webb, que ocupava Gernheim, foi-lhes permitido iniciar ali uma escola dominical. Na tarde do dia 19 de agosto, a Sra. Kalley iniciou a classe dominical com as crianças da casa e de uma família vizinha. Leram a história de Jonas, cantaram hinos e oraram. Assim nasceu a primeira Escola Dominical do Brasil. Algum tempo depois foi criada uma classe de adultos, dirigida pelo Rev. Kalley. Em 15 de outubro o casal mudou-se para Gernheim. A escola dominical cresceu e no ano seguinte surgiram classes em alemão, inglês e português, para crianças de oito anos para cima.
De agosto de 1855 a maio de 1856, o Rev. Kalley escreveu várias cartas aos irmãos de Illinois, convidando-os para virem ajudá-lo no Brasil. Em dezembro de 1855 chegou William D. Pitt, que havia sido aluno de escola dominical de D. Sarah na Inglaterra, e em agosto de 1856 vieram Francisco da Gama, Francisco de Souza Jardim e Manoel Fernandes, com suas famílias. No dia 10 de agosto daquele ano, na casa alugada por esses crentes no morro da Saúde, o Rev. Kalley oficiou pela primeira vez a Ceia do Senhor, com a presença de dez pessoas. O missionário viu desde o início a importância da literatura e convidou o Sr. Gama para trabalhar como colportor, o que este fez com muita eficiência, vendendo Bíblias e livros evangélicos. Algumas publicações foram encomendadas de Lisboa e outras produzidas pelo próprio Dr. Kalley. Ele também traduziu a famosa obra de John Bunyan, “A Viagem do Cristão” (O Peregrino), publicando-a no Correio Mercantil (outubro a dezembro de 1856) e depois em forma de livro. Também escrevia artigos religiosos nesse periódico. Ao mesmo tempo, desde que chegou a Petrópolis, Kalley procurou relacionar-se com as autoridades civis, inclusive com o imperador Pedro II, do qual se tornou amigo. Como seu vizinho, este foi visitá-lo várias vezes para ouvir sobre as suas viagens através da Palestina.
O casal Kalley partiu para a Inglaterra no dia 17 de janeiro de 1857, a fim de visitar uma tia de Sarahque se achava gravemente enferma. De Londres, onde ficaram por alguns meses, o Rev. Kalleyenviou para o Rio de Janeiro uma grande quantidade de literatura. Chegaram de volta ao Brasil em 9 de outubro. Extremamente cauteloso após as perseguições sofridas na Ilha da Madeira, Kalley trabalhou dentro dos limites impostos pela lei brasileira, adotando como modelo básico de evangelização o “culto doméstico”.[19] No dia 8 de novembro, foi batizado o primeiro crente em Petrópolis, o português José Pereira de Souza Louro. No Rio, havia reuniões em português na casa de Francisco da Gama e em inglês na residência de William Pitt. Nos meses seguintes, começaram a surgir artigos na imprensa do Rio revelando preocupação com a propaganda protestante e a distribuição de “Bíblias falsas”. Um motivo a mais de inquietação para os líderes católicos eram as discussões sobre a instituição do casamento civil e outras medidas liberalizantes do governo imperial.
Extraído do site: www.mackenzie.br
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