Meu pai estava ouvindo nossos hinos da IPP e parou nos dois que falam da cruz de Cristo. Parou, pensou, escolheu as palavras e disse:
— Você precisa se decidir sobre o que sente a respeito da cruz. Olhe essas duas letras: “Cruz Infame” e “Cruz Bendita”. Afinal, é infame ou bendita? As duas coisas ela não pode ser.
Essa abordagem do tema me pareceu interessante, e ensejou uma boa conversa sobre semântica (o estudo dos significados) e, em decorrência, sobre as diversas aproximações possíveis da cruz.
Costuma-se fugir de um grande problema “como o diabo foge da cruz”. De fato, em que pese o folclore, a cruz, para o diabo, é sinônimo de derrota. Nela ele foi cabalmente vencido e exposto ao desprezo (Col 2:15).
Há quem a menospreze, por não sentir necessidade de salvação. A redenção que ela traz (a palavra usada por Paulo é “propiciação”, um sacrifício substitutivo) não é validada no coração, por meio da fé, tornando-a ineficaz para sua salvação. É vista por esses apenas como um fato histórico; longínquo e deprimente. Cena desagradável, por sinal.
Não me parece estranho, portanto, ocorrerem sentimentos contraditórios em um mesmo coração, dependendo da circunstância e da forma como ele se coloque diante dela.
Começo o hino “Cruz Infame” dizendo que ela “entre terra e céu o meu Senhor ergueu” e o submeteu a vergonha, dor e vexame. Sob esse aspecto é cruz infame! Mas o verso se completa: “por este triste réu”. O que pensar, agora? “Aquela cruz maldita”, enquanto humilhava meu Senhor, “terra e céu ligou”, como uma imensa escada, e “a dívida da escrita por todos resgatou”.
Bem, nesse sentido eu olho para ela como “cruz bendita”, sem dúvida. E considero “bendito o dia em que encontrei a cruz de Cristo e seu perdão”. E será para sempre “bendita a paz que ele comprou e a vida eterna que nos deu”.
Naquela cruz estava o meu perdão. Naquela cruz está a minha paz. Ao olhar para o meu Senhor nela pendurado, como alguém que nem Deus nem os homens desejavam (esse é um dos significados do “ser levantado” entre a terra e o céu), encontro ali perdão para mim. “Cumpriu-se a lei-ditame, provou-se o seu amor; salvou-se um pecador”. Sim, este pecador.
Diante dessa compreensão, sou compelido a cantar que “amo a mensagem da cruz”. Mesmo que seja uma cruz tão rude, tão infame que dela o dia tenha fugido, pois era “emblema de vergonha e dor”.
Se chego a chorar diante da humilhação do meu Senhor, diante de “tanta execração”, quero ao mesmo tempo bendizer “a paz que ele me comprou”.
Parecem sentimentos contraditórios, como sugere meu pai? Ok, pode ser. Mas “eu amo a mensagem da cruz e até morrer eu a vou proclamar”. Mais que isso: “levarei eu também minha cruz/’té por uma coroa trocar”.
• Rubem Amorese é presbítero na Igreja Presbiteriana do Planalto, em Brasília, e foi professor na Faculdade Teológica Batista de Brasília por vinte anos. Antes de se aposentar, foi consultor legislativo no Senado Federal e diretor de informática no Centro de Informática e Processamento de Dados do Senado Federal. É autor de, entre outros, Louvor, Adoração e Liturgia e Fábrica de Missionários -- nem leigos, nem santos.
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