...não tinha teto, não tinha nada.
Essa noite, eu tive um sonho de sonhador, sonhei com uma
igreja esquisita. Ela não tinha muros, piso, púlpito, bancos ou aparelhagem de
som. A igreja era só as pessoas. E as pessoas não tinham títulos ou cargos,
ninguém era chamado de líder, pois a igreja tinha só um líder, o Messias.
Ninguém era chamado de mestre, pois todos eram membros da mesma família e
tinham só um Mestre. Tampouco alguém era chamado de pastor, apóstolo, bispo,
diácono ou Irmão. Todos eram conhecidos pelos nomes, Maria, Pedro, Afonso, Julia,
Ricardo...
Todos os que criam pensavam e sentiam do mesmo modo. Não que
não houvesse ênfases diferentes, pois Paulo dizia: “Vocês são salvos por meio
da fé. Isso não vem das obras, para que ninguém se glorie”, enquanto Tiago
dizia: “A pessoa é aceita por Deus por meio das suas obras e não somente pela
fé”. Mas, mesmo assim, havia amor, entendimento e compreensão entre as pessoas
e suas muitas ênfases.
Não havia teólogos nem cursos bíblicos, nem era necessário
que ninguém ensinasse, pois o Espírito ensinava a todos e cada um compartilhava
o que aprendia com o restante. E foi dessa forma que o Agenor, advogado,
aprendeu mais sobre amor e perdão com Dinorá, faxineira.
Não havia gente rica em meio a igreja, pois ninguém possuía
nada. Todos repartiam uns com os outros as coisas que estavam em seu poder de
acordo com os recursos e necessidades de cada um. Assim, César que era
empresário, não gastava consigo e com sua família mais do que Coutinho,
ajudante de pedreiro. Assim todos viviam, trabalhavam e cresciam, estando
constantemente ligados pelo vínculo do amor, que era o maior valor que tinham
entre eles.
Quando eu perguntei sobre o horário de culto, Marcelo não
soube me responder e disse que o culto não começava nem acabava. Deus era
constantemente cultuado nas vidas de cada membro da igreja. Mas ele me disse
que a igreja normalmente se reunia esporadicamente, pelo menos uma vez por
semana em que a maioria podia estar presente. Normalmente era um churrasco
feito no sítio do Horácio e da Paula, mas no sábado em que eu participei, foi
uma macarronada com frango na casa da Filomena. As pessoas iam chegando e todos
comiam e bebiam o suficiente.
Depois de todos satisfeitos, Paulo, bem desafinado, começou
a cantar uma canção. Era um samba que falava de sua alegria de estar vivo e de
sua gratidão a Deus. Maurício acompanhou no cavaquinho e todos cantaram juntos.
Afonso quis orar agradecendo a Deus e orou. Patrícia e Bela compartilharam suas
interpretações sobre um trecho do evangelho que estavam lendo juntas. Depois
foi a vez de Sueli puxar uma canção. Era um bolero triste, falando das saudades
que sentia do marido que havia falecido há pouco tempo. Todos cantaram e
choraram com ela. Dessa vez foi Tiago que orou. Outras canções, orações, hinos
e palavras foram ditas e todas para edificação da igreja.
Quando o sol estava se pondo, Filomena trouxe um enorme pão
italiano e um tonelzinho com um vinho que a família dela produzia. O ápice da
reunião havia chegado, pela primeira vez o silêncio tomou conta do lugar. Todos
partiram o pão, encheram os copos de vinho e os olhos de lágrimas. Alguns
abraçados, outros encurvados, todos beberam e comeram em memória de Cristo.
Acordei com um padre da Inquisição batendo à minha porta.
Junto dele estavam pastores, bispos, policiais, presidentes, ditadores, homens
ricos e um mandado de busca. Disseram que houvera uma denúncia e que havia
indícios de que eu era parte de um complô anarquista para acabar com a
religião. Acusaram-me de freqüentar uma igreja sem líderes, doutrina ou hierarquia;
me ameaçaram e falaram: “Ninguém vai nos derrubar!”. Expliquei: “Vocês estão
enganados, não fui a lugar nenhum, não encontrei ninguém ou participei de
nada... aquela é apenas a igreja dos meus sonhos”.
Tonho [foi coordenador do Underground -Min. Jovem do Portas Abertas]
Tonho [foi coordenador do Underground -Min. Jovem do Portas Abertas]
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