Como a debilidade física tornou-me
absolutamente confiante em Deus.
Lágrimas de agonia desceram por
meu rosto enquanto segurava o puxador de um aparelho de musculação. Era a
primeira vez que eu tentava romper os limites de movimento que me haviam sido
impostos pela doença. Sentia como se todos os meus ossos estivessem se
quebrando! Quando descrevi minha luta no tratamento contra a paralisia no ombro
a uma colega, ela me disse que eu havia me colocado na posição da crucificação.
Segundo ela, a morte de Jesus na cruz foi muito dolorosa justamente por causa
da enorme pressão que estava sobre seus ombros e sobre as partes que haviam
sido perfuradas pelos cravos, as quais tinham de sustentar, de forma
antinatural, todo peso do corpo. Confesso que não me senti muito confortável
com a ideia de comparar minha aflição física ao sacrifício de Cristo. O Filho
de Deus escolheu sofrer e morrer para salvar o mundo; já eu havia apenas
enfrentado alguns problemas de saúde.
Mas, apesar disso, a comparação
me pareceu bastante elucidativa. Passei a conhecer Deus de uma forma muito
particular quando deixei de ser praticante de halterofilismo e me tornei uma
doente patética. Como cristãos, sabemos
que devemos tomar a nossa cruz e seguir o Mestre diariamente. Mas, e quando a
cruz em questão é a falência da vesícula biliar ou uma alergia a tomates? Ora,
os santos do passado foram fervidos em óleo ou crucificados de cabeça para
baixo por causa de sua fé. Porém, o que há de bom em ser martirizado, contra a
vontade, em um corpo fragilizado?
Eu costumava ser forte. Quando
menina, era uma corredora veloz, subia em árvores com facilidade e gostava de
fazer acrobacias. Aos 12 anos, era a melhor saltadora da companhia de balé e
pulava tão alto que ainda estava voltando ao chão quando os demais bailarinos
já começavam o salto seguinte. Durante o ensino médio, competi em corridas de
média distância e maratonas completas. Na faculdade, dava aulas de aeróbica e
praticava levantamento de peso – e não havia outra mulher por perto fazendo a
mesma coisa. Com tanta demanda por energia, colocar para dentro quatro pratos
de comida em uma hora de refeição contínua não era coisa rara. Eu conseguia
sentir o pulsar de minha juventude e força! Agora, porém, depois de quatro
grandes cirurgias e de ter sofrido com diversos outros problemas de saúde,
levanto meu braço esquerdo com dificuldade, tenho muitas alergias e, com
frequência, tenho crises de sinusite, sono irregular e fadiga. Quando digo aos
meus alunos que já pratiquei levantamento de pesos, eles olham para meus braços
esquálidos e não escondem a descrença.
Noutros tempos, eu costumava ser
capaz de empurrar móveis e até carros estacionados. Agora, tenho dificuldades
para colocar um copo na prateleira mais alta. Antes, gostava do cheiro da
comida; hoje, sou uma chata nos restaurantes, daquelas que interrogam o garçom
acerca de cada um dos ingredientes dos pratos. Pareço ser alguém exigente e
obsessiva, mas tudo o que desejo é ter uma noite sossegada, sem vomitar.
CONFORTO DE DEUS
Não acredito na imagem do Deus vingativo,
irritado com meus pecados. Porém, não deixa de ser irônico o fato de ter-me
tornado incapaz de fazer as coisas de que mais gostava. Essas disfunções
físicas me tiraram a independência da qual sempre gozei e toda a minha
privacidade; sou o pedaço de carne exposto e vulnerável sobre a mesa esperando
que o cirurgião venha cravar sua faca. Não é fácil ficar face a face com morte.
Afinal de contas, não sou Deus. Por outro lado, essa experiência de sofrimento
tem aumentado minha gratidão pela presença de Deus comigo, assim como daqueles
que me têm ajudado. A enfermidade pode nos levar a descansar plenamente, pois
torna clara a conexão entre o mundo temporal e o sobrenatural. Sim, eu já pedi
a Deus que me curasse ou tirasse minha vida. Ele não fez nenhuma das duas
coisas, mas tem-me confortado de formas inexplicáveis.
Meu marido sempre me deu o apoio
necessário em meio a todos esses problemas de saúde. Depois da cirurgia no
ombro, eu acordava arfando de dor, mas ele estava sempre pronto a reabastecer a
máquina de gelo, dia e noite, além de me servir sopa e torradas. E ainda fazia piadas comigo e mostrava
convicção de que, em um futuro próximo, eu teria meu bem-estar restaurado.
Percebo o carinho de Deus através de médicos e enfermeiras piedosos e de outras
pessoas, inclusive estranhos. Certa vez, antes de uma cirurgia, foi levada a
uma pequena sala. Aflita com a solidão, fiquei contente com a chegada de um
senhor que entrou e sentou-se ali, como se estivesse esperando por mim. Uma
enfermeira tentou fazê-lo sair, citando as regras do hospital, mas ele se
recusou terminantemente a ir embora, alegando que lhe haviam dito que poderia
ficar. Sua conversa agradável era tudo o que eu precisava para me acalmar.
Mais inexplicável. ainda, foi o
comportamento de nossa gata durante o período em que estive doente. Nos
momentos em que sentia dores terríveis na região abdominal, ela se sentava
sobre meu estômago, contribuindo para que eu me sentisse melhor com o calorzinho
de seu corpo. Durante minha convalescença, ela permanecia ao meu lado, como uma
espécie de guarda-costas. Depois, o bicho soube exatamente o momento de voltar
a ser desobediente, fazendo, assim, com que me levantasse e começasse a me
exercitar.
Comparando a minha situação com o
que outras pessoas enfrentam, meus problemas de saúde podem ser classificados
apenas como algumas inconveniências triviais. Uma amiga desenvolveu uma série
de problemas graves, cujos tratamentos eram conflitantes entre si. Por causa
disso, seu estado de saúde entrou em uma verdadeira montanha-russa, alternando
períodos em de melhora e momentos à beira da morte. Suas dores eram bem maiores
que as minhas e seus temores e questionamentos também, uma vez que sua vida
estava por um fio. Na última vez em que estive com ela, ainda viva e consciente
mas prestes a partir, chorei muito, mas ela me consolou e encorajou, em vez do
contrário, e disse que estava tudo bem. Minha amiga estava certa. Ela estava
“bem”, realmente, cuidando de outras pessoas até o fim e pronta para estar com
Deus.
RESTAURAÇÃO
Em sua carta intitulada Sobre o
significado cristão para o sofrimento humano, o papa João Paulo II escreveu:
“Ao trazer-nos a redenção através do sofrimento, Cristo elevou o sofrimento
humano ao nível da redenção”. Quando tomamos nossas diferentes cruzes, imitamos
o Cristo e celebramos o dom da salvação; também tornamo-nos tornamos mais
capazes de ajudarmos uns aos outros na tarefa de carregar cruzes. Também
percebemos a presença de Deus de novas maneiras, algumas delas até pouco
usuais. Gostaria de poder dizer que o quão transformadora foi, para mim, a
experiência de ter estado doente, ou de que fui purificada dos prazeres carnais
e agora estou totalmente focada nas coisas celestiais. Mas, em vez disso,
continuo obcecada por macarrão e torta e entretenho-me com revistas de
futilidades ou com um materialismo idiota. Lastimo e murmuro, tal qual o Homem
Subterrâneo, personagem do livro Notas do subsolo de Dostoiévsky: “Meu dente
está doendo? Ótimo! Que doa ainda mais!”. Mas espero que, pelo menos, minha
empatia pelos outros tenha aumentado.
A vida é confusa e nos presenteia
com alguns obstáculos aparentemente intransponíveis – e, em meio a nossos
infernos pessoais, Deus nos envia almas caridosas que cuidam de nós com um
toque abençoador. Sou profundamente grata a essas pessoas e quero ser a boa
samaritana para muitas outras. Quanto mais dificuldades enfrento, mais pessoas
se aproximam instintivamente de mim, presenteando-me com seu apoio e
compreensão.
A fragilidade dessa morada
terrena chamada corpo humano serve para me fazer lembrar que terei uma outra
habitação, celeste, eterna, com Deus. Ele está conosco em nossas dores, bem
como no silêncio e na solidão que vêm junto com elas. A experiência do
sofrimento faz as coisas tomarem as devidas perspectivas; as politicagens no
trabalho e os desentendimentos em casa se tornam irrelevantes. E a volta da
sensação de bem-estar traz alívio em grandes proporções, além de gratidão e uma
visão mais acurada do toque criativo de Deus. Ter a saúde restaurada é uma
provinha do que será a restauração espiritual que virá quando Deus nos unir com
ele. Tenho aprendido um pouco sobre compaixão e dependência do Senhor, ao mesmo
tempo em que cada doença tem sido uma oportunidade de me identificar de maneira
ainda mais plena com o dom sacrifical de Cristo.
Kathleen Anderson é professora na Califórnia (EUA).
Extraído do site: cristianismohoje.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário