Os Evangelhos retratam, com muita
clareza, Jesus chamando um grupo de discípulos para estar com ele, aprender com
ele e seguir o caminho da vivência e sinalização do reino de Deus. Os
discípulos são muito reais e muito diferentes entre si. Uns vêm da indústria
pesqueira; outro é coletor de impostos; outro é um zelote, espécie de
revolucionário da época. Seus nomes são mencionados com detalhes: “Simão, a
quem deu o nome de Pedro; Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão, aos quais
deu o nome de Boanerges, que significa “filhos do trovão”; André; Filipe;
Bartolomeu; Mateus; Tomé; Tiago, filho de Alfeu; Tadeu; Simão, o zelote; e
Judas Iscariotes, que o traiu” (Mc 3.16-19).
O registro minucioso dos nomes
dos discípulos é significativo e reflete uma tradição muito antiga da fé cristã
que aponta para a realidade de que Deus tem conosco, e nós com ele, uma relação
pessoal. O profeta Isaías expressa isso de forma belíssima ao transmitir-nos
estas palavras de Deus: “Não tema, pois eu o resgatei; eu o chamei pelo nome;
você é meu” (Is 43.1). Ao chamar-nos pelo nome, Deus revela e usa sua própria
natureza -- uma natureza de amor relacional, em que cada pessoa é importante e
cada situação de nossa vida recebe dele atenção particular.
É o que acontece na formação do
grupo dos apóstolos. Cada um deles tem nome e pelo nome é chamado por Jesus.
Cada um tem uma história e com esta é chamado para integrar o círculo dos
discípulos. Cada um tem suas lutas e expectativas, e estas são restauradas e
transformadas a partir do encontro com Jesus e da permanência ao lado dele.
Ainda hoje é assim. Pelo nome, somos chamados a seguir Jesus e pelo nome somos
convidados e desafiados a estar e andar com ele até o fim dos nossos dias. O
discipulado é um longo caminho de amor e serviço, no qual nossa vida é
restaurada e transformada para a glória de Deus. O serviço ao outro confere
significado à nossa própria vida.
Os Evangelhos trazem detalhes da
escolha dos Doze. Conforme Lucas, tudo começa com oração (Lc 6.12-16). É como
se o ato de reunir o grupo de discípulos fosse tão importante que Jesus
precisasse passar um longo tempo conversando com o seu Pai. É significativo ver
a relação entre esse tempo de oração, o chamado dos discípulos e a própria
razão pela qual eles são chamados, como relata o evangelista Marcos:
“Jesus subiu a um monte e chamou
para si aqueles que quis, os quais vieram para junto dele. Escolheu doze,
designando-os apóstolos, para que estivessem com ele, os enviasse a pregar e
tivessem autoridade para expulsar demônios.” (Mc 3.13-15)
Eu confesso que passei muitos
anos sem perceber que a primeira razão pela qual Jesus chamou os discípulos foi
“para que estivessem com ele”. Venho de uma tradição ativista e verbal em que
seguir a Jesus significa envolver-se na pregação da Palavra. O importante é
manter-se ativo e ocupar-se com o anúncio do evangelho até os confins da terra.
Aprender a entender que Jesus nos chama “para estar com ele” tem sido uma
caminhada significativa e difícil. Difícil porque sempre acabo achando que a
relação com Jesus é operacional; que ela é melhor na medida em que “faço” mais
coisas para ele e em seu nome. Significativa porque vou descobrindo que o
ativismo gera muita superficialidade e pouca relação, e que não é isso que
Jesus deseja. O que Ele quer é construir conosco uma relação de intimidade e
significado, onde estar com Jesus vale mais do fazer coisas para Ele e em nome
dEle.
Aquela noite que Jesus passou em
oração foi uma noite com o Pai. Melhor ainda, foi uma noite de profunda
comunhão na Trindade. O Pai, o Filho e o Espírito Santo estavam juntos, queriam
estar juntos e, para isso, não precisavam de nenhuma agenda de atividades. Eles
simplesmente queriam estar um com o outro. Nós que viemos de uma tradição
ativista e operacional temos muito a aprender com o fato de Jesus nos chamar
“para estar com ele”. Não creio que ele tenha ido ao encontro do Pai, naquela
noite, com uma lista de nomes a serem politicamente negociados. Também tenho
dificuldade em acreditar que ele tenha ido com o objetivo de extrair do Pai o
maior número possível de concessões, visando uma campanha ministerial próspera
e bem engrenada. Ele passou a noite em comunhão com o Pai e o Espírito, no
desejo de alimentar sua comunhão com eles e deixar que esta nutrisse e
norteasse a sua convivência com o grupo de discípulos vindos de diferentes
histórias, mas chamados para uma experiência única de vivência do reino de
Deus.
Não importa quantos anos de
discipulado tenhamos, é preciso lembrar que Jesus nos chama a aprender com ele
o significado de estar com ele. Estar -- sem agenda e sem atividades. Estar
para descansar, estar para ser consolado, para ser reorientado. Estar para
estar. É muito bom descobrir isso!
No memorável encontro na casa de
Maria e Marta, fica claro o que significa ser chamado para estar com Jesus.
Enquanto Marta está ocupada com mil coisas, movida por uma grande necessidade
de ser uma boa hospedeira para o Mestre, Maria senta aos pés dele, e sua
atitude é reconhecida como a melhor escolha. Jesus diz que “Maria escolheu a boa
parte” e que esta não lhe será tirada (Lc 10.38-42).
Esta “boa parte” está reservada
também para nós, e o caminho para ela é aprender a estar com Jesus.
Valdir Steuernagel é pastor luterano e
trabalha com a Visão Mundial Internacional e com o Centro Pastoral e Missão, em
Curitiba, PR. É autor de, entre outros, Para Falar das Flores... e Outras
Crônicas.
Revista Ultimato – Edição 316
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