Não se sabe ao certo quem é o
autor do livro de Eclesiastes. Poderia ser Salomão, todavia é mais provável que
seja outro sábio bem posterior, que se valeu de sua história, fama e nome.
Parece que foi o reformador Martinho Lutero o primeiro a negar a autoria de
Salomão. Um dos comentadores de Eclesiastes diz simplesmente que o autor
empregou um artifício literário muito comum e colocou suas palavras na boca de
Salomão. Nesse caso, o livro teria sido escrito no período pós-exílio, entre
400 e 200 antes de Cristo. Mas uma coisa é certa: o autor de Eclesiastes é um
homem muito sábio, vivido, conhecedor da natureza humana, sensível, observador,
inconformado, realista, prático e muito religioso.
O livro discorre sobre a vida
humana “debaixo do sol” (29 citações) ou “debaixo do céu” (3 citações), isto é,
aqui embaixo, na terra, neste mundo. Essa expressão diz respeito à vida no
plano físico e não no plano metafísico, no plano secular e não no plano
religioso, no plano material e não no plano espiritual, no plano da razão e não
no plano da fé, no plano humano e não no plano divino. Não se discute a existência
de Deus — ele não é considerado, exista ou não.
Essa completa e concreta
alienação sobre Deus gera um tédio insuportável, que leva o autor a dizer
repetidas vezes desde o início: “Vaidade de vaidades, tudo é vaidade” (Ec 1.2).
Outras versões preferem termos sinônimos: “Tudo é inútil” (NVI), “Tudo é
ilusão” (NTLH), “Tudo é fugaz” (EP), “Tudo é terrivelmente frustrante” (BH). Na
paráfrase da Bíblia Viva, o autor escreve que a vida é uma “vida boba” (2.23).
A expressão “vaidade de vaidades”, que aparece 37 vezes em apenas doze
capítulos, funciona como um superlativo, a maneira hebraica de reforçar ou
aumentar a intensidade do fato.
Porém, o sábio não se satisfaz e
usa outras expressões para deixar o leitor o mais ressabiado, intrigado,
possível. Numa delas, afirma que a vida é um eterno “correr atrás do vento”
(1.14), “uma caça ao vento” (BP), “uma perseguição ao vento” (TEB) ou
simplesmente um “vento que passa” (EPC). Como o vento é o ar em movimento e,
quando pára, não mais existe, o ser humano, “debaixo do sol”, nunca se realiza,
nunca se acha, nunca pára de correr. Na tradução da CNBB, “correr atrás do
vento” é “aflição de espírito”. Em palavras menos simbólicas, “correr atrás do
vento” nada mais é que esforço inútil, tempo perdido, quimera. A frase aparece
dez vezes em Eclesiastes.
Em outra expressão, o sábio
parece mais melancólico ainda e afirma sem acanhamento algum que a vida “não
faz sentido” (2.19; 4.16; 5.10; 8.10 e 14; 9.9; 11.8). Em outra passagem, ele
diz que é “tudo sem sentido” ou, “nada faz sentido” (12.8). Também diz que a
vida “é um absurdo e uma grande injustiça” (2.21, NVI). A Bíblia do Peregrino,
a Bíblia de Jerusalém e a Edição Pastoral Catequética usam uma expressão muito
mais forte: “[A vida] é uma grande desgraça”!
O livro de Eclesiastes pode
parecer um pavoroso manual de pessimismo. Veja, por exemplo, os seguintes
pronunciamentos: “Quanto maior a sabedoria, maior o sofrimento” (1.18); “Os
mortos [são] mais felizes do que os vivos, pois estes ainda têm que viver!”
(4.2) e “É melhor ir a uma casa onde há luto do que a uma casa em festa” (7.2).
Mas, na verdade, o propósito do livro é mostrar a causa e a cura para o
pessimismo. Este aparece e cresce quando as pessoas pensam somente em si
mesmas, de forma egoísta e não altruísta. O pessimismo acaba tomando conta das
pessoas que desconsideram Deus e vivem às suas próprias custas e a seu
bel-prazer. O pessimismo torna-se insuportável quando as pessoas se espremem
entre o nascimento e a morte e rejeitam qualquer idéia de vida após a morte.
Para ensinar que a vida é boba, o
Sábio gasta muito tempo contando suas experiências equivocadas que a tornaram
boba. Para ensinar que a vida pode deixar de ser boba, o Sábio aponta o
equívoco-mor: “Separado de Deus, quem pode alegrar-se?” (2.29, RA).
Na verdade, todas as belezas da
vida perdem sua fragrância e significado quando o homem coloca Deus de lado e
não mais cogita sobre ele.
Definitivamente a vida deixa de
ser boba quando é vivida em sua plenitude acima e abaixo do sol, no plano metafísico
e no plano físico, no plano religioso e no plano secular, no plano da fé e no
plano da razão!
Extraído de: Revista Ultimato – Edição 311 – www.ultimato.com.br
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